terça-feira, 9 de outubro de 2012

Tempo de colheita


A redação do Gean, aluno do 8º ano, foi selecionada para representar Ouro Preto nas Olimpíadas da Língua Portuguesa! Ele escreveu um texto baseado nas memórias de sua avó, Prosperina Lessa Viana, de 84 anos. O texto é cheio de lembranças contadas de forma terna e doce... Confiram!


Tempo de colheita


As lembranças da minha infância, aparentemente distantes, me vêm à memória de forma saudosista. Resolvi contá-las ao meu neto para que ele conheça um pouco mais da minha história. Sempre morei em um distrito de Minas, com o nome de Lavras Novas. Naquela época, as casas eram feitas de barro e pau-a-pique, o chão era de terra macia, que grudava nos pés, não havia energia elétrica, iluminávamos tudo com lamparina e os banhos eram de bacia, sem nenhum luxo. Eram poucas moradias, por isso, entre os vizinhos havia uma grande amizade e muita troca de favores, que hoje não se vê mais.

O entorno era mato e montanhas. Um lugarzinho feliz, onde todas as manhãs se ouvia o canto dos pássaros, o balanço das folhas, o som das águas das cachoeiras, o ranger das janelas, a fumaça do fogão a lenha, o batido do pilão socando o café e seu aroma forte embriagando todo o ar.

Minha família era bem simples. Eu e minhas irmãs calçávamos chinelos feitos de corda de bambu e algumas de nossas roupas e cobertores vinham de doações de um quartel de soldados dos amigos do meu pai. Apesar dos trabalhos que éramos obrigadas a fazer (limpar a casa, lavar roupa, torrar café, varrer terreiro e trabalhar na colheita), nos divertíamos também. Brincávamos de casinha, bonecas costuradas com palha e sabugo de milho, de esconde-esconde, bilisca... Mas de todas essas recordações a que não me sai da cabeça é a época que trabalhei na colheita.

Eu tinha dez anos e trabalhava em uma fazenda de chá, situada nas redondezas do distrito. Quando se é criança tudo passa a ser diversão, assim, achava gostoso embrenharmos pelo mato para trabalhar. Saíamos de casa às cinco horas da manhã para iniciar “a lida” às sete. Embora fosse distante, o caminho era compensador. Era muita beleza, risos e assuntos diversos. Trabalhei na colheita por alguns anos, colhia o chá das árvores em uma sacola de pano, colocava em uma balança para ser pesado, em seguida ele era espalhado por uma esteira para ficar dias secando. Somente depois de seco ele passava por máquina grande para ser vendido para lugares distantes, que não me recordo. O nome do chá era “chá da Índia”.

O proprietário nos pagava pelo peso do chá, costumávamos receber vinte mirréis (moeda da época) pelo total colhido. Esse dinheiro eu dava para meu pai comprar comida. Quando comecei a ficar mais velha, meu trabalho na fazenda era de capina, sofri muito com fortes geadas, chuva, pés no chão, frio e pouca roupa. O vestuário da época era saia e blusa de linhagem e, para proteger o rosto, amarrávamos um pano deixando apenas os olhos à vista.

Nos finais de semana, ajudava minha mãe nos serviços da casa e ia para a igreja rezar. As famílias eram muito unidas e católicas.

Hoje, apesar da saudade de alguns momentos, percebo que a vida é mais fácil para as pessoas. As casas têm energia elétrica, comida farta, escola para todo mundo. Já a fazenda de chá virou ruínas, mas graças ao Patrimônio, foi tombada e preservada para que as pessoas possam conhecer um pouco mais da história e a luta dos colhedores de chá da Fazenda do Manso.



Dona Prosperina

5 comentários:

  1. Que belo texto...senti até o cheirinho de chá!!! Amei de verdade, parabéns ao Gean pela redação e a D.Prosperina em compartilhar parte de sua história.

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    1. Oi Bia, o Gean é um menino de sorte por ter a D. Prosperina como avó! E Lavras Novas segue nos encantando, nos proporcionando momento de muita ternura! Beijos nossos!

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  2. Muito bom! A riqueza de detalhes nos permite projetar todo o contexto. Parabéns pra vocês!

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    1. Obrigada! Aos poucos, o que se observa é toda a comunidade de Lavras Novas mais sensível à sua história, memórias e patrimônios...

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  3. Muito bacana...
    História muito gostosa de ler...

    Parabéns ao Gean e a Dona Prosperina.

    Esse texto por ser o relato de uma época, é uma forma de registro e também de preservação do patrimônio histórico, um patrimônio abstrato.

    Parabéns novamente.

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